Os wikis: construção colectiva e partilhada do conhecimento ou uma Torre de Babel da informação

Os wikis são, como a informação disponibilizada na plataforma moodle desta formação sugere, um dispositivo privilegiado de trabalho colaborativo tendo como finalidade mais usual a produção cooperativa de informação sobre um qualquer tema. O modelo mais evidente deste tipo de ferramenta é a wikipédia, enciclopédia alimentada pelas contribuições de pessoas de todo o mundo sobre os mais variados e inusitados temas. Não prosseguirei sem contudo alertar que o desconhecimento técnico do funcionamento mais complexo dos wikis poderá levar-me a fazer afirmações da mais pura ingenuidade acerca da sua utilização em ambientes educativos.

Do ponto de vista técnico, e tendo em consideração os resultados a que se chega, parecem ser ferramentas extremamente simples de utilizar – uma espécie de verdadeiro “ovo de Colombo”, diria eu – como se pode aliás depreender da visualização do vídeo disponibilizado pelos formadores intitulado “Wikis in plain english”.

O surgimento dos wikis mais reconhecidos publicamente – mais uma vez a wikipédia foi claramente a maior protagonista neste aspecto – foi amplamente debatido em torno da dicotomia democratização da produção do saber – “bastardização” do saber científico. Esta discussão colocou de um lado das barricadas os defensores do carácter político significativo que assumia a possibilidade de a informação e o conhecimento sobre os mais variados temas (e esta questão também não é de somenos importância: a possibilidade de produzir e apresentar informação e saber sobre objectos até aí invisibilizados pelas formas dominantes de produzir e divulgar conhecimento) ter como autores/produtores quem quer que fosse que se julgasse capaz de o fazer e não apenas aqueles a quem durante séculos se reservou esse papel (nomeadamente os homens de ciência), bem como a possibilidade de esse conhecimento ser partilhado por todos, desde que incluídos na «sociedade em rede» em que vivemos, e ainda para mais através de um processo assente numa espécie de rede cooperativa da humanidade que nos aproximaria mais uns dos outros e reflectiria um sentimento de comunidade planetária julgado impossível. Do outro lado da barricada encontramos aqueles que consideram estas ferramentas uma forma “menor” de produzir e divulgar conhecimento porque não sujeita ao escrutínio da ciência e dos seus protagonistas e porque sujeita o conhecimento à possibilidade de uma qualquer manipulação e falsificação incontrolada.

Creio que estes dois lados da discussão podem ser transpostos para a apreciação do uso dos wikis em contexto educativo. Com efeito, em princípio, os wikis constituem um modo particularmente interessante de promover um trabalho pedagógico cooperativo em torno de temas/conteúdos, conceitos ou autores e cujas virtualidades passam pelo envolvimento activo e continuado dos estudantes na produção do conhecimento a disponibilizar, supondo uma pesquisa, selecção e organização de informação, um processo de regulação inter-pares e por parte dos docentes das produções que se vão tornando visíveis, a articulação a propósito de uma qualquer entrada wiki entre diferentes formas de comunicação e ainda o facto de poderem ser ponto de entrada para redes de fontes de informação virtualmente infinitas.

Mas o outro lado da questão merece também ser ponderado aqui. Com efeito, a utilização deste tipo de ferramenta, se não se deseja incontrolada, obriga a uma regulação próxima e continuada das produções que aí se vão construindo sob o risco de a informação ser completamente desajustada ou mesmo cientificamente incorrecta e apropriada nessa forma antes de ser revista, o que claramente representa uma intensificação do trabalho docente. Mais ainda, supõe um envolvimento autónomo dos estudantes na pesquisa de fontes e no trabalho sobre essas fontes, trabalho esse que nem sempre é susceptível de um escrutínio da fiabilidade e autoria por parte dos docentes dada a multiplicidade de fontes hoje disponíveis. Para além desta dificuldade na regulação do próprio processo de estruturação do wiki, há claramente que levar em consideração o próprio produto que deles resulta uma vez que os wikis ao enfatizarem um registo de apresentação dos seus conteúdos privilegiadamente informativo presta-se a uma utilização em que a lógica da acessibilidade facilitada a recursos “simplistas” se sobrepõe à necessidade de sobre estes depositar um olhar crítico, argumentativo ou reconstrutivo o que, portanto, pode conduzir à sua utilização meramente segundo o princípio da reprodução, reprodução essa muitas vezes largamente distante das fontes originais. Ou seja, é preciso estar atento ao registo duplo a que pode estar sujeita a mobilização dos wikis enquanto dispositivo pedagógico, uma vez que o registo na ordem da produção do wiki é substancialmente distinto do registo na ordem da utilização e se o primeiro pode positivamente ser crítico, reflectido, colectivo e cooperativo, o segundo – na ordem da utilização – pode muito bem acabar por ser simplesmente acrítico e reprodutivo e não conduzir senão à transformação dos wikis numa versão pós-moderna da Torre de Babel.

Creio ainda que o trabalho em torno dos wikis supõe também o investimento na transformação de uma certa cultura estudantil ainda marcada pela competitividade no acesso às “melhores” fontes de informação como garantia dos melhores resultados em termos de avaliação individualizada, por uma cultura mais marcadamente estruturada por uma vivência mais solidária e colectiva da construção do conhecimento, face à qual seria bom que as modalidades de avaliação privilegiadas pelos docentes não se opusessem frontalmente. E já agora que a sociedade também não valorizasse precisamente os valores contrários aos princípios que dão corpo a uma ferramenta como os wikis...